terça-feira, 22 de junho de 2010

(2010/189) Trabalho, memória e necessidade


1. Não se trata, aqui, de fazer cena. Mas outro dia passei pelo campus, em direção ao prédio-restaurante, e assisti à cena das meninas da limpeza varrendo folhas de amendoeira. Com Rita, parei e batemos um rápido papo sobre o jogo do Brasil. Ela voltou às suas folhas de amendoeira, e eu fiquei entregue a pensamentos distantes...

2. Eu gostaria de passar o dia a varrer folhas de amandoeira. Tudo bem, essa é a parte "bucólica" do trabalho: há as sessões de lavar banheiro, de esvaziar lixeiras. Eu sei disso. Até meus quinze anos, dezesseis, era eu quem fazia a faxina de casa, varria, encerava - o chão era de vermelhão, para quem conhece -, tirava o pó dos móveis, lavava o banheiro. Era eu. Depois que casei, Bel assumiu essas tarefas, e eu, passei a dar duro na rua. Mas saberia voltar a todas aquelas atividades. Mas antes do casamento, trabalhei em padaria, e, no final da noite, varria e lavava toda a loja, que não era pequena, além de, de vez em quando, limpar cada um dos regrigeradores. Fazia feliz...

3. O problemas dessas atividades é a remuneração. Logo se vê que esses meus pensamentos não são tão fortes, porque, se fossem, a despeito da remuneração, eu me dedicaria ao serviço. Todavia, a despeito dos pensamentos, retornei às minhas rotinas de Coordenação. Mas, se vivêssemos em um mundo diferente - pura loucura o que vou dizer, claro -, onde todos ganhassem a mesma coisa, não importa o que fizessem, eu me dedicaria ao trabalho de limpeza. Não sei se passaria a gostar de lavar banheiros, mas adoraria, por exemplo, varrer ruas.

4. Há outras coisas a que eu me dedicaria. Mas eu sinto que a gente não dá muito valor a esse trabalho - o de limpeza. Naturalmente, a gente se ressente de quando ele não é feito. Mas quando alguém faz, nem nos damos conta. Mas eu lembro que era bom, quando era jovem, limpar a casa, varrer, lavar, encerar, escovar. Acho que nunca mais na vida atividade nenhuma me deu tanta satisfação, quero dizer, no campo profissional. Sim, mesmo o magistério - que é algo de que até gosto. Mas a memória me trai, e me diz, me engana, não sei, que eu era mais feliz lá e então, no mundo mítico da memória juvenil, arrumando a casa. Por que a memória da gente cria essas lembranças? Saudade? Mas do quê? No fundo, saudades de dias em que não éramos os donos de nossos próprios narizes, em que o trabalho era, afinal, quase uma diversão: limpar a casa era ajudar mamãe... Mas, então, chegam os dias em que não o fazemos mais por colaboração, mas por necessidade - e a necessidade mata a alegria. Na saudade da gente, é da leveza e da alegria que sentimos falta, porque até queríamos fazer o que fazemos, mas se não o fizéssemos porque precisamos seria mil vezes mais gostoso...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Coordenação Geral Acadêmica

2 comentários:

  1. Quanto ao sentimento de igualdade, foi bom te acompanhar nesse sonho... quem dera! Quanto a alegria em exercer o trabalho de limpeza, acho que só tive mesmo quando era criança, quando não tinha a menor obrigação de fazê-lo e ficava feliz quando minha mãe deixava eu "lavar" a louça, rs. Lembrei agora de quando eu acordava às 4hs da manhã para preparar a marmita do meu nego com comida fresquinha... sinto saudade, como pode isso? rs.

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  2. Suas recordações, trouxeram também as minhas... engraçado como a mente funciona, e como outras conexões vão sendo construídas.

    Mas, uma frase está reverberando em minha mente: "a necessidade mata a alegria"
    "a necessidade mata a alegria"
    "a necessidade mata a alegria"

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